Berro Dágua nasceu em Sobral
Desde ontem à noite estou em Sobral de passagem para Alcântaras e Camocim, onde acompanharei as seções municipais da convenção eleitoral estadual do PCdoB. Aí não tem jeito, chego aqui e me dá logo vontade de falar sobre a minha sobralencidade, chamegar com minha mãe, meu pai, minhas irmãs ( os irmãos estão todos morando em Fortaleza), a sobrinhada que mora aqui e acariciar esse lugar que num me deixa nem falar porque já fico logo emocionado.
Pois quem pensava que Sobral havia "inspirado" apenas Albert Einstein em suas pesquisas para a comprovação da curvatura da luz e da Teoria da Relatividade, estava enganado. Eu desconfio que o ator Wilson Aguiar, que nasceu na vizinha Massapê, do meu amigo Francinet (.com.br), e é tio da Bida, minha cunhada, andou se inspirando no João de Apolo, que ainda vive "bem velhinho", como me relatou minha irmã Maria, pra fazer o Nezinho do Jegue, no Bem Amado. Do mesmo jeito que personagem esculhambava o Odorico Paraguaçu depois de "tomar umas", o sobralense, com seu paletó malamanhado e sua surrada pasta 007 cheia de recortes de jornal velho, botava baixava a lenha em figuras como o folclórico e habilidoso político sobralense Zé Prado.
Agora o escritor Afonso Romano de Sant'Anna atiçou meu bairrismo ao revelar mais uma inspiração sobralense. Em artigo publicado no Diário do Nordeste ele fala sobre o livro "A morte e a morte de Quincas Berro Dágua", inspiração do filme que estreou dia desses, e revela mais uma razão pra que tenha orgulho de ser sobralense. Diz ele lá: "o verdadeiro nome de Quincas, não é Joaquim Soares da Cunha como solipsisticamente o disse o romancista baiano. O Quincas real tinha, aliás, um nome muito mais mítico, pois se chamava Plutarco, cabo Plutarco. E já que estou rasgando os véus da ficção e da realidade avanço mais: o nome do Quincas/ Plutarco era esse: Wilson Plutarco Rodrigues Lima e nasceu em 1920, em Sobral".
Como dizia o saudoso Eusélio Oliveira, gostou ou não gostou? Pois é Jorge Amado, como você vai ler na postagem aí embaixo, inspirou-se num farrista conterrâneo que botava boneco lá no Rio de Janeiro. Tá certo que um cabra pinguço não é lá exemplo pra ninguém, nem motivo de orgulho, mas também ninguém vai ignorar que essas criaturas também ajudam a compor a crônica social de um povo, ainda mais um povo cheio de histórias como o nosso brasileiro.
Post post: tenho de compartilhar o crédito dessa postagem com meu amigo Gilvan Paiva, que viu o artigo do Sant'Anna e me chamou atenção. O Gil também tem um blog e vale a pena você ir lá.
Pois quem pensava que Sobral havia "inspirado" apenas Albert Einstein em suas pesquisas para a comprovação da curvatura da luz e da Teoria da Relatividade, estava enganado. Eu desconfio que o ator Wilson Aguiar, que nasceu na vizinha Massapê, do meu amigo Francinet (.com.br), e é tio da Bida, minha cunhada, andou se inspirando no João de Apolo, que ainda vive "bem velhinho", como me relatou minha irmã Maria, pra fazer o Nezinho do Jegue, no Bem Amado. Do mesmo jeito que personagem esculhambava o Odorico Paraguaçu depois de "tomar umas", o sobralense, com seu paletó malamanhado e sua surrada pasta 007 cheia de recortes de jornal velho, botava baixava a lenha em figuras como o folclórico e habilidoso político sobralense Zé Prado.
Agora o escritor Afonso Romano de Sant'Anna atiçou meu bairrismo ao revelar mais uma inspiração sobralense. Em artigo publicado no Diário do Nordeste ele fala sobre o livro "A morte e a morte de Quincas Berro Dágua", inspiração do filme que estreou dia desses, e revela mais uma razão pra que tenha orgulho de ser sobralense. Diz ele lá: "o verdadeiro nome de Quincas, não é Joaquim Soares da Cunha como solipsisticamente o disse o romancista baiano. O Quincas real tinha, aliás, um nome muito mais mítico, pois se chamava Plutarco, cabo Plutarco. E já que estou rasgando os véus da ficção e da realidade avanço mais: o nome do Quincas/ Plutarco era esse: Wilson Plutarco Rodrigues Lima e nasceu em 1920, em Sobral".
Como dizia o saudoso Eusélio Oliveira, gostou ou não gostou? Pois é Jorge Amado, como você vai ler na postagem aí embaixo, inspirou-se num farrista conterrâneo que botava boneco lá no Rio de Janeiro. Tá certo que um cabra pinguço não é lá exemplo pra ninguém, nem motivo de orgulho, mas também ninguém vai ignorar que essas criaturas também ajudam a compor a crônica social de um povo, ainda mais um povo cheio de histórias como o nosso brasileiro.
Post post: tenho de compartilhar o crédito dessa postagem com meu amigo Gilvan Paiva, que viu o artigo do Sant'Anna e me chamou atenção. O Gil também tem um blog e vale a pena você ir lá.
O Berro Dágua de verdade
Enquanto buscava mais informações para a postagem aí de cima achei um artigo do jornalista e escritor Edmílson Caminha publicado no jornal onlaine da Casa do Ceará, em Brasília. Vale a pena você ler e saber um pouco mais sobre essa inspiração do Jorge Amado.
A verdadeira história de Quincas Berro Dágua No posfácio que escreveu para a nova edição, pela Companhia das Letras, do A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, de Jorge Amado, Affonso Romano de Sant'Anna surpreende muitos leitores ao afirmar que a célebre personagem do romancista baiano existiu mesmo: chamava-se Cabo Plutarco, e repousa no carneiro nº 6059 do Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.
Pura verdade, mas Affonso não contou toda a história... Quem o fez (com direito a foto e tudo, para que ninguém duvide) foi o escritor cearense José Helder de Souza (o senhor da foto ao lado, falecido há pouco tempo, em Brasília), num livrinho precioso com o título Cabo Plutarco, o Berro d’Água, que pouca gente leu, publicado que foi em Fortaleza pela Imprensa da Universidade Federal do Ceará, em 1982. A figura tinha por nome Wison Plutarco de Lima nascido em 1920 no município cearense de Sobral. Berro Dágua, portanto, não era baiano coisa nenhuma, mas natural da cidade em que Ciro Gomes iniciou sua carreira política. (Já que falamos nela, Sobral entrou para a história da ciência, pois lá, no dia 29 de maio de 1919, comprovou-se experimentalmente, pela primeira vez, o desvio da luz, conforme previsto por Einstein na Teoria da Relatividade. Mas isso é outra história...)
Emigrado para o Rio, Plutarco serviu como cabo no lº Batalhão de Caçadores de Petrópolis. Mas sua verdadeira e profunda vocação era a boêmia, a farra, a que se entregou com intensa devoção na companhia de bebuns que frequentavam a Galeria Cruzeiro, no centro carioca. Para que se tenha ideia dos pinguços, um era conhecido por “Marechal de Fezes” (alusão a Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro), e outro, certamente por haver pertencido à Marinha, pela edificante alcunha de "Capitão de Mar e Merda"... A turma, como se vê, era um tanto próxima dos militares... Um terceiro gabava-se de viver desempregado há 42 anos, sustentado pelos colegas de mesa. Recorde capaz de ofender um Jorginho Guinle, que se orgulhava de jamais haver metido um prego quente numa barra de sabão...
Conta Zé Helder que Plutarco, certa vez, viajava do Rio para Fortaleza em um navio, ao encontro dos pais. Na escala em Salvador, o passageiro caiu na gandaia e esqueceu-se de voltar a bordo, perdido de amores pelas meninas da Cidade Baixa. Sorte dele: o navio chamava-se “Baependi”, posto a pique no litoral pernambucano por torpedos alemães. Em Fortaleza, a família chorava a morte do Cabo quando recebe um cabograma com o aviso de que perdera o navio, mas que tomara outro e já estava a caminho...
De tanto beber, Plutarco morre em abril de 1950 no Rio de Janeiro, aos 30 anos de idade. Durante a despedida, os amigos começam a beber em memória do companheiro que partia, como narra o pesquisador cearense: “Já com muitas doses de cana no bucho, os vapores subindo à cabeça, aqueles rapazes desprendidos, aquela gente folgazã só podia mudar a feição triste do velório, a tal ponto que a certa altura o próprio defunto passou a ter direito também às suas doses,o gargalo da garrafa enfiado na boca. No desvario, já no pingo da madrugada, as garrafas vazias e a sede e a vontade de beber mais aumentando, os participantes daquela sentinela singular dispuseram-se a sair e ir buscar mais bebida. Injusto seria lá deixar sozinho o companheiro morto, e ele assim foi aluído do caixão e carregado em pé, um amigo de cada lado amparando-o pelo sovaco ou passando-lhe um dos braços pela nuca. Lá se foram pelo bucho da madrugada em busca de um bar, um daqueles que não têm hora para fechar suas portas.” O dia já amanhecendo, põe Plutarco de volta no caixão — não sem antes tirar-lhe o paletó e os sapatos novinhos, comprados para que tivesse um entero decente. Afinal de contas, ao contrário deles, o amigo não precisava mais daqueles luxos... E assim o Cabo Plutarco subiu aos céus ou baixou aos infernos, ninguém jamais saberá, nos mesmos trajes com que viera ao mundo: completamente nu.
Essa história, Jorge Amado a ouviu em Fortaleza, em 1958, na caymmiana “Boate Maracangalha”, que não era propriamente uma boate, mas a residência do Dr. Zequinha de Moraes, advogado e agrônomo (ou “agrobacharel”, como se lia na placa que, por gozação, um amigo pusera na fachada...) Incompatibilizado com os donos de botecos próximos, Zequinha realizara o sonho de todo bebun: ter um bar na própria casa para receber os amigos... Frequentado por jornalistas e escritores, ali foi ter, uma noite, o então jovem romancista Jorge Amado, a quem contaram as peripécias que, em 1959, a revista Senhor publicaria como protagonizadas por Quincas Berro Dágua. Em 1981, ao receber em Fortaleza o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará, o próprio baiano revelou: “Homem de muitos amigos, tenho aqui, como em toda parte do Brasil, mesa posta em muitas casas e um copo à minha espera na confraria noturna dos últimos boêmios. Foram esses amigos que ainda vivem a aventura e o riso que me forneceram a idéia inicial de uma das minhas histórias mais divulgadas e melhor consideradas. Refiro-me à "Morte e a morte de Quincas Berro Dágua". Esse vagabundo dos becos e ladeiras da cidade da Bahia, que hoje trafega mundo afora em mais de vinte línguas, em trinta países, que virou peça de teatro, balé, programa de televisão. Quincas Berro Dágua foi gerado em Fortaleza, onde brotou a idéia desse pequeno romance. Deram-me notícia de caso acontecido quando da morte de um boêmio, contaram-me como a solidariedade dos amigos prevaleceu na hora da ausência e transformou a dor da despedida em festa.”
Essa, a verdadeira história do cearense Wilson Plutarco Rodrigues Lima, o Cabo Plutarco, o Quincas Berro Dágua de Jorge Amado, essa pequena obraprima da literatura mundial, tão cheia de vigor e de beleza quanto O velho e o mar, de Hemingway, e Bartleby, o escrivão, de Melville. Em homenagem a todos eles, ergamos os copos e entoemos em uníssono, como diz o meu amigo, e parceiro de chope, Afreimar Queiroz: “Bebamos a isso!”
A verdadeira história de Quincas Berro Dágua No posfácio que escreveu para a nova edição, pela Companhia das Letras, do A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, de Jorge Amado, Affonso Romano de Sant'Anna surpreende muitos leitores ao afirmar que a célebre personagem do romancista baiano existiu mesmo: chamava-se Cabo Plutarco, e repousa no carneiro nº 6059 do Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.
Pura verdade, mas Affonso não contou toda a história... Quem o fez (com direito a foto e tudo, para que ninguém duvide) foi o escritor cearense José Helder de Souza (o senhor da foto ao lado, falecido há pouco tempo, em Brasília), num livrinho precioso com o título Cabo Plutarco, o Berro d’Água, que pouca gente leu, publicado que foi em Fortaleza pela Imprensa da Universidade Federal do Ceará, em 1982. A figura tinha por nome Wison Plutarco de Lima nascido em 1920 no município cearense de Sobral. Berro Dágua, portanto, não era baiano coisa nenhuma, mas natural da cidade em que Ciro Gomes iniciou sua carreira política. (Já que falamos nela, Sobral entrou para a história da ciência, pois lá, no dia 29 de maio de 1919, comprovou-se experimentalmente, pela primeira vez, o desvio da luz, conforme previsto por Einstein na Teoria da Relatividade. Mas isso é outra história...)
Emigrado para o Rio, Plutarco serviu como cabo no lº Batalhão de Caçadores de Petrópolis. Mas sua verdadeira e profunda vocação era a boêmia, a farra, a que se entregou com intensa devoção na companhia de bebuns que frequentavam a Galeria Cruzeiro, no centro carioca. Para que se tenha ideia dos pinguços, um era conhecido por “Marechal de Fezes” (alusão a Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro), e outro, certamente por haver pertencido à Marinha, pela edificante alcunha de "Capitão de Mar e Merda"... A turma, como se vê, era um tanto próxima dos militares... Um terceiro gabava-se de viver desempregado há 42 anos, sustentado pelos colegas de mesa. Recorde capaz de ofender um Jorginho Guinle, que se orgulhava de jamais haver metido um prego quente numa barra de sabão...
Conta Zé Helder que Plutarco, certa vez, viajava do Rio para Fortaleza em um navio, ao encontro dos pais. Na escala em Salvador, o passageiro caiu na gandaia e esqueceu-se de voltar a bordo, perdido de amores pelas meninas da Cidade Baixa. Sorte dele: o navio chamava-se “Baependi”, posto a pique no litoral pernambucano por torpedos alemães. Em Fortaleza, a família chorava a morte do Cabo quando recebe um cabograma com o aviso de que perdera o navio, mas que tomara outro e já estava a caminho...
De tanto beber, Plutarco morre em abril de 1950 no Rio de Janeiro, aos 30 anos de idade. Durante a despedida, os amigos começam a beber em memória do companheiro que partia, como narra o pesquisador cearense: “Já com muitas doses de cana no bucho, os vapores subindo à cabeça, aqueles rapazes desprendidos, aquela gente folgazã só podia mudar a feição triste do velório, a tal ponto que a certa altura o próprio defunto passou a ter direito também às suas doses,o gargalo da garrafa enfiado na boca. No desvario, já no pingo da madrugada, as garrafas vazias e a sede e a vontade de beber mais aumentando, os participantes daquela sentinela singular dispuseram-se a sair e ir buscar mais bebida. Injusto seria lá deixar sozinho o companheiro morto, e ele assim foi aluído do caixão e carregado em pé, um amigo de cada lado amparando-o pelo sovaco ou passando-lhe um dos braços pela nuca. Lá se foram pelo bucho da madrugada em busca de um bar, um daqueles que não têm hora para fechar suas portas.” O dia já amanhecendo, põe Plutarco de volta no caixão — não sem antes tirar-lhe o paletó e os sapatos novinhos, comprados para que tivesse um entero decente. Afinal de contas, ao contrário deles, o amigo não precisava mais daqueles luxos... E assim o Cabo Plutarco subiu aos céus ou baixou aos infernos, ninguém jamais saberá, nos mesmos trajes com que viera ao mundo: completamente nu.
Essa história, Jorge Amado a ouviu em Fortaleza, em 1958, na caymmiana “Boate Maracangalha”, que não era propriamente uma boate, mas a residência do Dr. Zequinha de Moraes, advogado e agrônomo (ou “agrobacharel”, como se lia na placa que, por gozação, um amigo pusera na fachada...) Incompatibilizado com os donos de botecos próximos, Zequinha realizara o sonho de todo bebun: ter um bar na própria casa para receber os amigos... Frequentado por jornalistas e escritores, ali foi ter, uma noite, o então jovem romancista Jorge Amado, a quem contaram as peripécias que, em 1959, a revista Senhor publicaria como protagonizadas por Quincas Berro Dágua. Em 1981, ao receber em Fortaleza o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará, o próprio baiano revelou: “Homem de muitos amigos, tenho aqui, como em toda parte do Brasil, mesa posta em muitas casas e um copo à minha espera na confraria noturna dos últimos boêmios. Foram esses amigos que ainda vivem a aventura e o riso que me forneceram a idéia inicial de uma das minhas histórias mais divulgadas e melhor consideradas. Refiro-me à "Morte e a morte de Quincas Berro Dágua". Esse vagabundo dos becos e ladeiras da cidade da Bahia, que hoje trafega mundo afora em mais de vinte línguas, em trinta países, que virou peça de teatro, balé, programa de televisão. Quincas Berro Dágua foi gerado em Fortaleza, onde brotou a idéia desse pequeno romance. Deram-me notícia de caso acontecido quando da morte de um boêmio, contaram-me como a solidariedade dos amigos prevaleceu na hora da ausência e transformou a dor da despedida em festa.”
Essa, a verdadeira história do cearense Wilson Plutarco Rodrigues Lima, o Cabo Plutarco, o Quincas Berro Dágua de Jorge Amado, essa pequena obraprima da literatura mundial, tão cheia de vigor e de beleza quanto O velho e o mar, de Hemingway, e Bartleby, o escrivão, de Melville. Em homenagem a todos eles, ergamos os copos e entoemos em uníssono, como diz o meu amigo, e parceiro de chope, Afreimar Queiroz: “Bebamos a isso!”
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